Sunday, January 17, 2010

MLK Day: Reflections on Haiti and our reactions to the tragedy

Dia de Martin Luther King: Reflexões sobre o Haiti e nossas reações à tragédia

Me contive em falar sobre a desgraça no Haiti aqui no blog por vários motivos. Preferi emitir meus comentários pelo Twitter nos últimos dias. Confesso que mesmo alí, cometi o erro vários vezes de "falar" com a emoção e nem sempre essa é uma boa ideia. Decidi esperar. Mas de nada serve, continuo a sentir a mesma indignação e a mesma reação que tive no começo. Pra mim esta tragédia é mais grave pelo descaso humano, que pelo resultado da própria natureza.

A tragédia em Angra, causada pelas chuvas fortes, no primeiro dia do ano, e logo após as enchentes que deixaram vários sem lar em São Paulo e outras regiões pelo Brasil afora, também me chocaram. Mas nada como o que vi, nem mesmo em Katrina, se compara ao nível de devastação visto no Haiti. É uma tragédia de proporções infinitamente maiores.

No entanto, e apesar de que tragédias são todas iguais na sua natureza, seja pessoal ou coletiva, pois implica uma dor, sofrimento fora do comum, geralmente associado com a morte, seria impossível qualificar a tragédia do Haiti como mais uma tragédia. Não é.

Há vários assuntos que gostaria de tocar aqui. Pra falar a verdade, não sei bem por onde começar. Mas acho que entender isso já é um bom começo. Como comparar a destruição total de um país à de uma família, um bairro, ou até uma cidade apenas? Porto Príncipe foi a área mais afetada, mais é quase impossível qualificar o efeito que esta tragédia toda terá no país inteiro, na região e até no mundo.

Foto do AP. Destruição do Palácio do Haiti.

A questão não é comparar dores, mas pense bem 70,000 (que foi a última estatística que vi sobre o número de mortos) 100,000... 200,000 ou qualquer outro número é gente demais, não é? E os milhões que ficaram sem lar juntos aos milhares que estão feridos e que ainda hão de morrer por descaso? Um país que já tinha infra-estrutura frágil e ineficiente, agora completamente sem nada.

Sem liderança, sem governo, sem polícia, sem hospitais, sem escolas, sem NADA!

E o horror de ver pessoas enterradas vivas? Em ver pessoas morrerem após serem resgatadas por falta apenas de atendimento médico? Incrível ver a incapacidade de brasileiros em perceber este problema e chamá-lo como tal. Não me refiro a todos, claro, mas vi vários tentar usar a tragédia com Haiti como desculpa para discutir problemas político e se manifestar somente em relação à morte de quem rápidamente elevam a status de "santa", me refiro à Zilda Arns. Como se a vida dela fosse mais importante de que a morte de milhares de pessoas.

Sim, ela foi uma pessoa de vida admirável, uma alma de luz, que se dedicou a ajudar outros. Porém, cabe a todos nós pensar exatamente porque nós não paramos para pensar no sofrimento alheio no dia-a-dia, como ela fazia. Qualquer tragédia, aquela de uma garoto abandonado em um orfanato, doente de AIDS, carente de carinho ou aquela outra de garotos de 8 a 11 anos cheirando craque nas ruas de São Paulo, roubando para poder sobreviver. Essas tragédias são todas partes do cotidiano de nosso país, não são? Eu sei disso, morei no Brasil.

Claro, que graças a jornalistas como Gustavo Chacra, que escreve para o Estadão (Blog De Beirut a Nova York) ou repórteres como Rodrigo Alvarez, correspondente da Globo em Nova York, que se encontram no Haiti, podemos ver realmente a magnitude desta tragédia.

(Vejam aqui a matéria excelente, e na íntegra, de Rodrigo no Haiti)




Pena que não todos os brasileiros pensem igual, não é? É uma vergonha que usem tamanha atrocidade para discutir questões políticas. Me parece que esta não é nem a hora nem o lugar e que ao invés de questionarem motivaçõs políticas, deveriam questionar a religião, a falta de humanidade da mesma e de sí mesmos ao deixar essas pequenas tragédias diárias ocorrerem.

Afinal, tragédias acontecem todos os dias e ao escolhemos ser indiferente a elas até quando não há outra opção. Até quando algo desta magnitude acontece. Isso não deveria acontecer.

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2 comments:

  1. O que mais choca é saber que o povo haitiano vive num estado extremo de pobreza. A ONU sabe dessa pobreza e, parece, que até o terremoto o único país a apoiar o Haiti foi o Brasil. Agora todo o mundo começou a se preocupar. O Haiti deveria ter sido socorrido pelos Estados Unidos e União Européia há muito mais tempo. O seu artigo Simone dá a dimensão do sofrimento e frustração que cada um de nós está sentindo. Muita gente estava no Haiti tentando ajudar, como a história do passarinho que jogava uma gotinha de água de seu bico pra apagar o incêncio da floresta, fazendo a sua parte. Dona Zilda Arns pode estar sendo usada pela igreja católica neste momento, mas ela era de um valor extremo. Qual de nós saiu de seu lar, de sua cama quentinha e de sua vida cômoda e foi até lá, aquele país que ninguém conhecia antes da tragédia pra poder ajudar algumas pessoas? Eu não sei se ela é santa, mas ela é o melhor exemplo de pessoa que nós temos. Nós hoje estamos aqui frustrados sem poder ajudar, mas ela foi destemida e pessoalmente foi lá e morreu lá. No lugar onde ela esteve tudo ruiu, menos um crucifixo com o Cristo. Essa imagem me arrepiou. O Haiti é uma ferida viva no corpo de cada ser humano na terra hoje. Não podemos esquecer os que têm ainda menos que a gente. Não podemos deitar a cabeça no travesseiro e dormirmos em paz porque enquanto existir um único ser humano que não tenha as condições básicas de sobrevivência essa paz que aspiramos não poderá jamais ser real. E foi isso que senti lendo o seu artigo. Na verdade a humanidade é uma pessoa só e é uma pessoa doente, sofrendo de extrema solidão.

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  2. Adorei seu comentário. Era esse tipo de resposta que esperava quando escrevi o artigo. :)

    Percebo a importância de Zilda. Aliás, pessoa realmente admirável, o que ela fez só pouco entre nós fazem.

    No entanto, é necessário começarmos a discutir como nós podemos fazer algo. A igreja não contribue em nada para acabar com a pobreza. Ela vive da pobreza do povo. As "intenções" são boas, mas o dinheiro e influência que possui podia há tempos ter acabado com a pobreza que permite, por exemplo, que um povo, como o Haiti, tenha que construir casas de cemento em região de terremotos. Mero suicídio!! Sem contar a falta de controle ao natalismo, etc.

    A mesma reflexão serve para os governos, como o dos EUA e outros países em desenvolvimento. Principal atenção à França aqui. Sem contar as organizações de ajuda internacional que pelo visto são ineficientes, burocráticas e ridículas (logo me explicarei sobre isto) Principalmente a ONU, infelizmente.

    Lindo teu comentário! Obrigada mesmo por postar. :)

    Acho que você sentiu meu artigo porque falei por experiência própria. Enquanto vivia no Brasil sofria muito em ver tantas injustiças e tentava ajudar como podia...

    "Na verdade a humanidade é uma pessoa só e é uma pessoa doente, sofrendo de extrema solidão." resumiu tudo maravilhosamente. Poético e real.

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